Para isso, comecemos com a diferenciação dos dois conjuntos de práticas:
Práticas de purificação
Criam zonas distintas (por isso, podemos associa-las ao modelo discreto):
humanos (sociedade), não humanos (natureza) e extra-humanos (extra-social, extra-cultural).
Assim, separam em tantos segmentos quanto forem as disciplinas puras.
Práticas de tradução
Criam repositórios de fatos aparentemente objetivos e distintos e fazem proliferar híbridos de natureza e cultura, misturas (e por isso, podemos associa-las ao modelo contínuo) complexas que apenas uma topologia de redes pode capturar, em contraste com a topologia de superficies/ áreas adotadas pelas práticas de purificação.
"A ligação entre esses dois tipos de práticas estaria no cerne do que o autor chama de "a constituição moderna". Ser moderno é, em essência, acreditar nessa separação de propriedades, poderes e maneiras dos humanos e dos não humanos de se agruparem e de se governarem e, ao mesmo tempo, presenciar a proliferação de híbridos." (BUZATO, 2009. p.71)
A proposta de Latour funda-se no pressuposto que humanos e não-humanos são actantes definiveis relacionalmente, a partir das maneiras como agem/ resistem nessas redes de práticas.
"Uma das
afirmações mais contundentes da teoria ator-rede, especialmente
reiterada por Bruno Latour, é a de que o social não existe.[...]. O “social”
não é o que explica, diz a teoria ator-rede, mas o que merece ser
explicado."
Regra metodológica da TAR:
"estudamos ciência em ação, e não a ciência ou a tecnologia pronta; para isso, ou chegamos antes que fatos e máquinas se tenham transformados em caixas-pretas, ou acompanhamos as controvérsias que as lembrem" (latour, 2000, P.412)
Postulado central da TAR:
"a ação é emprestada, distribuída, sugerida, influenciada, dominada, traída, traduzida" (LATOUR, 2005, p. 46)
Pressupostos contestados pela TAR:
a) O contexto funcionaria como um contêiner pré-existente à própria prática letrada
b) Seria possível isolar as ações que tentavamos interpretar em dois compartimentos isolados, o global e o local
Para a TAR...
a) inválido, pois "movimento e deslocamento vêm primeiro, lugares e formas, depois"b) não se sustenta porque "global e local são sítios que não existem", "utopias encantadas", impossível de localizar no mapa: "nenhum lugar é suficientemente dominante para ser global, nem suficientemente autocontido para ser local"
Intermediário e mediadores:
Intermediário --> actante cujo outputs estão perfeitamente previstos pelos inputs que recebe
- um intermediário simplesmente transportam uma causa anterior, sem nada acrescentar a ela
- veicula informação sem deformação
Mediadores --> são actantes que quando acionados como veículos, fazem outras coisas que não as esperadas
- não transportam sem deformação
- de seus efeitos não se podem deduzir causas
- de seus efeitos não se podem deduzir causas
Cada mediador pode ser alistado por e/ou alistar outros atores em outras redes. Foram, assim, se configurando certos efeitos de rede que não poderiam ser deduzidos diretamente de uma causa anterior e exterior a essa concatenação.
Pressupostos da TAR:
1) Nenhuma interação é isotópica: aquilo que está agindo num mesmo momento, em qualquer lugar, vem de muitos outros lugares, de muitos materiais e atores distantes.
2) Interações não são homogênias, elas são heterogêneas.
"As redes são compostas não apenas por pessoas, mas também por máquinas, animais, textos, dinheiro, arquiteturas – enfim quaisquer materiais. Portanto o argumento é que o que compõe o social não é simplesmente humano. O social é composto por todos esses materiais também. Na verdade, o argumento é que nós não teríamos uma sociedade, de modo algum, se não fosse pela heterogeneidade das redes do social.
[...]O argumento é que essas várias redes participam do social. Elas o moldam. [...]
Se os seres humanos formam uma rede social, isto não é porque eles interagem com outros seres humanos. É porque eles interagem com seres humanos e muitos outros materiais também. E, exatamente como seres humanos têm suas preferências – eles preferem interagir de certas formas e não de outras – esses outros materiais que compõem as redes heterogêneas do social também têm suas preferências. Máquinas, arquiteturas, roupas, textos – todos contribuem para o ordenamento do social. E – esse é o meu ponto – se esses materiais desaparecessem também desapareceria o que às vezes chamamos de ordem social. A teoria ator-rede diz, então, que ordem é um efeito gerado por meios heterogêneos."
(John Law)
Templates ou localizadores
Os eventos locais são pré-formatados por templates ou localizadores que contextualizam a ação. Mas eles projetam apenas um sujeito/individuo genérico. Um manual de montagem de uma máquina, por exemplo, são projetados para "alguém como eu", mas não projetadas "para mim". Há, portanto, uma lacuna a ser preenchida "entre os atores genéricos, pré-formatados por esses movimentos e o curso da ação realizada por participantes totalmente individualizados." (LATOUR, 2005, p.205)
Para preencher essa lacuna, é necessário que os atores tenham uma certa competência a qual ou se nasce com ela (humano) ou se é moldado nela (por força da estrutura social). A TAR coloca essa competência como um conjunto de subjetificadores (marca que identifica o sujeito), individualizadores ou persolanizadores que acumulamos enquanto ator-rede. Ou seja, não há subjetividade no interior do sujeito: há plug-ins aos quais podemos nos utilizar para preencher essa lacuna. O fato é que, do ponto de vista da TAR, nada há em nossa interioridade que não nos tenha sido dado.
REFERÊNCIAS
http://dispositivodevisibilidade.blogspot.com.br/2011/11/teoria-ator-rede-e-cibercultura.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_ator-rede
http://www.necso.ufrj.br/Trads/Notas%20sobre%20a%20teoria%20Ator-Rede.htm
BUZATO, M. Letramento, novas tecnologias e a teoria ator-rede: um convite à pesquisa.