quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Gramaticalidade versus Aceitabilidade

Por definição, toda sentença é bem formada no sistema linguístico em que se constitui como sentença, tanto sintática como morfologicamente, i.e., são gramaticais (LYONS, 1982, p.45). Assim, gramaticalidade está ligada ao fato de que todo falante nativo é capaz de produzir sentenças bem estruturadas, estando ligado a gramática natural da língua e não à gramática normativa. Assim, mesmo uma frase como
Me empresta a caneta?
considerada errada para a gramática normativa ("Não se inicia frase com pronome"), é dotada de gramaticalidade. Já a sequência
empresta caneta me a?
não é uma sentença em português, justamente por não respeitar as regras gramaticais do sistema linguístico, o qual os falantes nativos aplicam inconscientemente. No entanto, podemos encontrar sentenças que não nos geram nenhum significado literal coerente como "Idéias verdes incolores dormem furiosamente", mas que são perfeitamente gramaticais. Aí que entra a aceitabilidade.
Uma sentença aceitável é aquela que possui uma forma significativa, com possibilidade de ser usada em um contexto que transmita informação, isto é, facilmente interpretável por um falante nativo da língua. Assim, uma frase como
*Leo jogou vídeo game por cima do muro
pode ser considerada inaceitável (marcado pelo sinal *), pois o predicado [jogar video game] não aceita um complemento como [por cima do muro].
É por isso que, Segundo Laporte (2015), uma das razões para considerar aceitabilidade mais interessante que gramaticalidade é o fato de que muitas sentenças gramaticais são recusadas por falantes nativos, sendo a gramaticalidade, portanto, menos confiável que a aceitabilidade. 
 

Críticas de Lyons à partida de xadrez de Saussure

Em Lingua(gem) e Linguística¹, John Lyons apresenta algumas críticas à comparação que Saussure faz da língua com uma partida de xadrez. Saussure utiliza tal metáfora para exemplificar uma descrição sincrônica da língua. Segundo ele, o estado do jogo pode ser descrito a qualquer momento quanto à posição em que as peças ocupam, sem que seja preciso saber o que ocorreu antes e o que ocorrerá depois. Assim, mesmo que o tabuleiro esteja em constante modificação, os estados sucessivos de uma partida podem ser descritos sem referências externas. O mesmo ocorre com a língua.
A primeira crítica de Lyons a essa analogia é o fato de um jogo de xadrez ter começo e fim bem delimitado, enquanto que as línguas não. Uma palavra deriva de outra anterior, que deriva de outra antes dela e assim sucessivamente sem que se possa alcançar claramente sua origem - e é por isso que os etimólogos hoje não se ocupam de investigar as origens de um vocábulo, mas apenas afirmar que a forma e o significado do ancestral mais antigo é tal. Também não se pode saber com clareza o momento em que uma língua "morre", a não ser quando isso ocorre abruptamente como com a morte de seu último falante.
Outra crítica diz respeito ao fato do xadrez possuir regras explicitamente formuladas e, assim, os jogadores, dentro desses limites, podem determinar o curso da partida. O mesmo não ocorre com a língua, pois não há uma direção preestabelecida no desenvolvimento diacrônico das línguas.
Apesar de pertinentes, devemos fazer uma resalva a essas críticas. Conforme Chaud (2013) muito bem coloca, Saussure se utiliza dessa metáfora com finalidades didáticas e, como tal recurso, não deve ser tomado ao pé da letra. A metafora deve ser tomada como um recurso para estabelecer identidade, se aplicando somente a algumas características (ORTONY, 1975 apud CHAUD, 2013). Seria plausível se a crítica fosse na essência da comparação, ou seja, na visualização do diacrônico e do sincrônico, o que de fato não ocorre.

¹ Lyons, J. Lingua(gem) e Lingüística: Uma Introdução. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.